Uns querem uma cerimónia com toda a pompa e circunstância. Outros acham que se deve cancelar Abril. Pelo meio há quem penda para um ou outro lado, com uma opinião fundamentada, arriscando-se a ser apelidado de facho ou irresponsável. O normal. Com tanta discussão a acontecer sobre as comemorações do 25 de Abril, decidi exercer a minha liberdade de opinião e escrever umas coisas.

Antes de me debruçar sobre o 25 de Abril numa pandemia, vamos revisitar o que têm sido as celebrações. Uma cerimónia solene, na Assembleia da República, onde se é mais pró-democracia quanto maior o número de cravos na lapela. Pelo meio um carrocel de discursos insípidos, sem força e sem emoção, a que se juntam algumas iniciativas culturais no Parlamento ou na residência oficial do Primeiro Ministro.

Tomemos como exemplo a TimeOut, que no ano passado sugeria coisas para fazer no 25 de Abril. O título da página (não do artigo) fala em “seis coisas”, mas não devem ter descoberto tantas. Começa por nos mandar ir comer pastéis de nata grátis, para depois sugerir a programação especial no Museu do Aljube – museu sobre a luta durante a ditadura – mais uns filmes e documentários para ver ou rever. É a um feriado, convenhamos.

Estas celebrações no parlamento estão cada vez mais longe das pessoas. Políticos que passam o ano a apontar o dedo uns aos outros, a desinformar e propagar mentiras, querem vir-nos falar sobre liberdade e democracia? Não há paciência. Há muito que o 25 de Abril devia ser assinalado nas ruas, com iniciativas um pouco por todo o país, centradas num distrito diferente a cada ano. Iniciativas que envolvessem as pessoas, com actividades culturais de todo o tipo e não apenas para os iluminados. Sem cerimónias solenes e sem discursos cansativos. E onde a RTP podia ter um papel fundamental através de documentários, testemunhos e, porque não, algum entretenimento. Celebrar Abril é tudo menos juntar políticos num espaço. É celebrar, e viver, a liberdade. E isso é feito nas ruas. Apenas não este ano.

Voltemos ao parlamento. Bem sei que os deputados têm continuado a ir à Assembleia da República e em número mais reduzido para que não apareçam em frente às câmaras demasiado próximos uns dos outros. Também sei que para a cerimónia do 25 de Abril as coisas não seriam muito diferentes. E, sim, podia ser feito com alguma segurança. No entanto seria a um sábado e não em apenas mais um dia de trabalho para os deputados. Haveria mais pessoas no hemiciclo, devido aos convidados, sendo um momento que proporciona o contacto. E, sobretudo, passa-se a mensagem que já podemos fazer o que bem nos apetecer, se não nos aproximarmos muito uns dos outros. E todos sabemos onde isto vai levar.

Liderar e dar o exemplo é coisa que os nossos políticos e dirigentes não sabem fazer. Aflige-me a mediocridade do discurso e, sobretudo, das acções que vemos todas as semanas. Não é de agora. Não é da pandemia. É para onde os partidos têm levado a democracia, premiando o joio e afastando o trigo. Só políticos com a cabeça enfiada no seu mundo imaginário não conseguem perceber a mensagem contraditória que se dá ao insistirem em manter a cerimónia no parlamento. Nem vou começar com o 1º de Maio.

Com todas as limitações que, bem, nos têm sido impostas e com os sacrifícios a que a maioria das pessoas se tem sujeitado, custava muito assinalar o 25 de Abril de outra forma? A RTP chega a todo o lado e podia ter um dia dedicado às celebrações. O Presidente da República podia discursar para todos, em vez de ir mandar recados ao parlamento. E podiam fazer uma “videoconferência do 25 de Abril”, juntando testemunhos e conversas sobre esses tempos. Talvez assim as pessoas se voltassem a interessar pelo 25 de Abril.